quarta-feira, 10 de junho de 2009

WONDERFUL

Crítica/ "A Woman a Man Walked By"

PJ Harvey volta teatral em CD difícil e fascinante

Cantora inglesa retoma parceria com o músico John Parish em disco rústico
BRUNO YUTAKA SAITO

PJ Harvey é uma mulher infiel. Não gosta de se prender. Já foi a roqueira reclamando do amante que a deixava seca, a sedutora e perigosa femme fatale, a francamente louca. A cada disco, adquire uma personalidade, seguindo constante na sua inconstância: é autêntica camaleoa do rock. "A Woman a Man Walked By", o mais recente CD, abriga novas faces da cantora inglesa de 39 anos. A mulher e o homem não estão apenas no título. PJ tem a companhia do músico e produtor John Parish, amigo de longa data que co-assina a autoria do disco. Uma ideia básica guiou o trabalho: criar músicas que soassem diferentes de tudo que os dois já tivessem feito antes. O resultado são dez canções cruas, com instrumentos que remetem ao rústico e ao folk, como o banjo e o ukulele. Com clima angustiante, os temas vão do grotesco a descrições de morte e pesadelos. Não é um caminho fácil de seguir -considerá-lo ruim é o atalho mais rápido. Mas para onde quer nos levar esse estranho casal? Em entrevistas recentes, PJ nega tratar-se de trabalho teatral, em que cada música seria a representação de um personagem específico, apesar de ser exatamente esta a sensação transmitida pelas diferentes entonações da cantora, guiada pela dramaticidade das letras.Em "The Soldier", PJ tem um sonho onde é um soldado que anda sobre rostos de mulheres mortas e todos aqueles deixados para trás. Angustiada, canta em falsete, como se estivesse prestes a morrer. No mesmo registro vocal e com clima de mistério, fantasmagórico, ela canta, em "Leaving California": "Como fui cruel em imaginar que eu poderia mudar você". O tom muda radicalmente em "Pig Will Not", inspirada no poema "O Rebelde", de Charles Baudelaire, em que um pecador se recusa a seguir um anjo. PJ incorpora a negação definitiva do personagem e canta a plenos pulmões. Chega até a latir.Na raivosa faixa-título, ela exagera no tom, geme nervosa e conta as agruras daquilo que parece ser um hermafrodita. É como naquelas peças de teatro intensas em que o espectador não sabe se ri ou se chora de emoção. Esses extremos, no entanto, não chegam a diminuir o impacto do disco. A faixa de abertura, a mais tradicional "Black Hearted Love", entre o rock e o blues, é uma das melhores músicas já cantadas por PJ ("quando você chama meu nome em êxtase/ eu ofereço minha alma em sacrifício"). Tematicamente, faz par com a amarga "Passionless, Pointless", um raio-x de final de relacionamento na tradição de "Love Will Tear Us Apart", do Joy Divison. É um ex-casal que ainda dorme na mesma cama, cada um com o rosto virado para paredes opostas. Ela não encontra mais carinho nas mãos do amante. Nesse contexto, o verso "para onde vai a paixão?" entra no rol dos grandes mistérios da vida.

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